30 de setembro de 2011

São Jerônimo

Salve Maria!

Hoje é dia de São Jerônimo, patrono de nosso blog.

Biografia de
São Jerônimo
(../../347 - 30/09/420)
Presbítero, Confessor
Santo Padre da Igreja
Doutor Máximo nas Sagradas Escrituras
 
Seu verdadeiro nome era Eusébio, en latín, Eusebius Sophronius Hieronymus, que havia herdado de seu pai. Jerônimo é somente um sobrenome, o qual ficou mais tarde sendo designado ao ilustre sábio.

Nasceu em Estridão, cidade localizada entre a Dalmácia, e da Panônia, de uma família cristã.

Na segunda metade do quarto século, enquanto nas Gálias surgiam dois grandes homens. Hilário e Martim, surgiam outros dois na África: Santo Optat, bispo de Mileva, e Agostinho, que acabara de nascer em Tagasta, em 354. Ambrósio, futuro bispo de Milão, que deveria um dia receber Santo Agostinho na Igreja, tinha então quatorze anos, e estudava em Roma as línguas: grega e latina. Nessa mesma ocasião. Roma viu chegar dos confins da Dalmácia e da Panônia, outro futuro doutor da Igreja, Jerônimo; nascido em cerca do ano de 331 de pais ricos e distintos. Viera para identificar-se com a língua de Virgílio e de Cícero, sob a direção do orador Vitorino e do gramático Donato, célebre comentador de Virgílio e de Terêncio. A Igreja tinha que sustentar acirradas lutas de doutrina, e a Providência suscitava-lhe por toda a parte grandes doutores.

Depois de ter estudado em Roma e viajado pelas Gálias. São Jerônimo permaneceu algum tempo na Aquiléia, e em seguida dirigiu-se a Antioquia em companhia do sacerdote Evrágio; de lá, retirou-se para um deserto, nos confins da Síria e da Arábia. Foram seus companheiros de retiro dois amigos, Inocêncio e Heliodoro, e um escravo chamado Hilas. O sacerdote Evrágio, que era rico, forneceu-lhe tudo de quanto precisava, pagava escribas para auxiliá-los nos estudos, que continuava a fazer, e remetia-lhe de Antioquia as cartas que lhe eram dirigidas de vários lugares. São Jerônimo perdeu dois de seus companheiros: Inocêncio morreu, Heliodoro não tardou a partir, prometendo retornar. O próprio santo foi acometido por repetidas doenças e o que ainda mais o fatigava, assaltado por violentas tentações impuras, que provinham da lembrança dos prazeres de Roma. Como os jejuns e outras austeridades corporais não o libertassem, empreendeu, para dominar a imaginação, um estudo espinhoso: aprender a língua hebraica, sob a direção de um judeu convertido. Depois da leitura de Cícero e dos melhores autores latinos, era-lhe penoso voltar ao alfabeto, e exercitar-se nas aspirações e nas pronúncias difíceis. Muitas vezes abandonou o trabalho, irritado com as dificuldades: muitas vezes o retomou e finalmente adquiriu um profundo conhecimento daquela língua.

Até mesmo no seu deserto da Síria. São Jerônimo foi perturbado pela discórdia que irrompera entre três bispos, um ariano e dois católicos. Queriam saber com qual deles permanecia, se com Vital. Melécio, ou Paulino. O bispo dos arianos e dos católicos do partido de Melécio perguntou-lhe se considerava tais hipóstases na Trindade. Farto dessas perguntas, escreveu São Jerônimo ao Papa São Damaso nos seguintes termos:

"Como o Oriente, agitado por suas antigas violências, dilacera as vestes sem costura do Senhor, julguei meu dever consultar o trono de Pedro, e a fé louvada pela boca do apóstolo, procurando alimento para a minha alma no mesmo lugar onde revesti Cristo por intermédio do batismo. Vossa grandeza me enche de temor, mas vossa bondade me atrai: cordeiro, peço socorro ao pastor. Para trás, pois, inveja: para trás, dignidade e grandeza de Roma! dirijo-me ao sucessor do Pescador e ao Discípulo da Cruz! Não tendo outro senhor a não ser Cristo, estou unido em comunhão à vossa beatitude, isto é, ao trono de Pedro. Sei que a Igreja foi construída sobre essa Pedra. Quem comer o cordeiro fora dessa casa é profano: quem não estiver na arca de Noé, perecera no dilúvio. Como nem sempre posso consultar Vossa Santidade, procuro os confessores egípcios, vossos colegas, como uma barquinha se coloca sob a proteção dos grandes navios. Não conheço Vital, rejeito Melécio. ignoro quem seja Paulino. Quem não se reunir a vós, está disperso; isto é, quem não é por Cristo, é pelo Anti-cristo.

"Perguntam-me se admiti três hipóstases: pergunto o que significam tais palavras. Respondem-me que são três pessoas subsistentes; digo que assim o creio; argumentam que não é suficiente e insistem em que eu pronuncie a palavra. Dizemos em voz alta: "Se alguém não confessar três hipóstases, no sentido de três pessoas subsistentes, que seja anátema". E por não termos pronunciado a palavra sem explicação, tratam-nos como a heréticos. De outro lado, também dizemos: "Se alguém compreendendo por hipóstase essência, não confessa uma hipóstase em três pessoas, é estranho a Cristo", e acusam-nos, tal como a vós, de confundir as três pessoas numa só. Decidi, pois, conjuro-vos; se me aprovardes, não recearei mais dizer três hipóstases; se assim ordenais, será feito um novo símbolo de acordo com o de Nicéia e professada a fé ortodoxa quase nos mesmos termos em que os arianos professam seu erro".

Ê que os arianos diriam três hipóstases no sentido de essência, segundo costumavam fazer os autores profanos; o que aumentava a desconfiança de São Jerônimo. Foi por causa disso que novamente suplicou ao Papa que o autorizasse em suas cartas a dizer, ou a não dizer, hipóstases. Também lhe pede para acordar com ele sobre o que deveria comunicar a Antioquia; pois todos os partidos se gabavam da comunhão de Roma.

Como a essa primeira carta não fosse dada resposta, escreveu uma segunda, onde dizia ao Papa: "De um lado os arianos praticam violências, apoiados pelo poder secular; de outro, a Igreja, dividida em três partes, quer atrair-me: os monges que me rodeiam exercem sobre mim a sua antiga autoridade. Contudo, exclamo: "Quem estiver unido ao trono de Pedro é dos meus!" Melécío, Vital e Paulino dizem que estão unidos a vós. Poderia acreditá-lo se apenas um deles assim o afirmasse; mas há dois que mentem, ou talvez três. Ê por isso que conjuro Vossa Beatitude, pela cruz do Senhor, a designar-me, por intermédio de vossas cartas, com quem deverei comunicar-me na Síria. Não desprezeis uma alma pela qual Jesus Cristo morreu.

O Papa São Damaso servia a Igreja de mais de uma maneira: não apenas a governava com sabedoria: nela fazia florescer as ciências sagradas. Tendo São Jerônimo ido a Roma com Paulino de Antioquia, que o ordenara sacerdote, o Papa reteve-o; fez dele seu amigo e secretário, a fim de que o ajudasse a responder as consultas sinodais do Oriente e do Ocidente. Profundamente versado nas literaturas Sagrada e profana. Jerônimo já escrevera várias obras sobre as Escrituras; Damaso lia-as avidamente e até mesmo as copiava, insistindo para que o santo escrevesse outras, propondo-lhe nessa intenção várias questões. Bem depressa fez-lo empreender uma obra de mais ampla serventia: uma edição correia do Saltério. Jerônimo executou-a, mas com o menor número possível de alterações, pois os salmos, traduzidos pelos Setenta, andavam nas mãos e na memória de todos os fieis, que os cantavam na igreja. Mais tarde fez outra edição, na qual intercalou, sob a forma de sinais característicos, as diferenças entre grego e hebraico. Finalmente fez uma versão literal do próprio hebraico.

Desde tempos imemoriais, era utilizada no Ocidente uma versão latina do Novo Testamento, conhecida sob a denominação de Itálica, Latina, Vulgata ou Vulgar. Supõe-se que tenha sido feito na própria Roma no tempo dos apóstolos, ou pouco depois; pois cerca da metade do Novo Testamento foi redigida em Roma, ou de Roma: o Evangelho de São Marcos, os Atos dos Apóstolos, as duas Epístolas de São Pedro, e as sete Epístolas de São Paulo. Mas como antes da invenção da imprensa era preciso copiar tudo a mão, inevitavelmente uma boa quantidade de erros de copistas eram inseridos nos diferentes exemplares, erros que algumas vezes outros corrigiam, cometendo novos erros. Às vezes, também, o intérprete não reproduzia fielmente o sentido do original. Além disso, cada fiel não possuía a coleção inteira do Novo Testamento, apenas uma ou outra parte em separado, nas quais se permitia às vezes acrescentar ou intercalar trechos de outras. Tudo isso tinha como resultado variantes, diferenças mais ou menos acentuadas entre os vários exemplares. Para remediar esse inconveniente, o Papa insistiu para que São Jerônimo organizasse uma edição correta dos quatro Evangelhos, e de todo o Novo Testamento, de acordo com o texto original, que era grego. Ele assim o fez, acrescentando-lhe um índice de concordância entre os quatro Evangelhos. Mais tarde, empreendeu e levou a cabo o mesmo trabalho com relação ao Antigo Testamento inteiro, que traduziu do hebraico. Como o povo estava habituado à antiga Vulgata, a versão de São Jerônimo encontrou certa oposição. Numa igreja da África, onde era lida, o povo amotinou-se por ter ele chamado aboboreira, e não hera, à planta que deu sombra ao profeta Jonas. Mas foram certas pessoas invejosas e ciumentas que não se consideravam povo, que lhe opuseram as maiores resistências. Contudo, com o decorrer do tempo, a versão de São Jerônimo, que os gregos consultavam desde o seu aparecimento, foi adotada por toda a Igreja Latina, e o Concílio de Trento acabou por declará-la autêntica. Com efeito, jamais pessoa alguma se encontrou em melhores condições para bem executar semelhante obra. Não apenas aproveitou tudo quanto já fora realizado, trabalhos exaustivos de Orígenes e de outros; porem, possuindo grande conhecimento do hebraico, do siríaco, do caldaico, interrogava os doutores das sinagogas, visitava, estudava na companhia deles os próprios lugares referidos pelas Escrituras.

Mas surpreendente ainda é, depois do Pontífice Romano, terem sido as primeiras damas de Roma, descendentes dos Cipiões, dos Paulo-Emílios, dos Fábios, dos Marcelos, dos Júlios, filhas, esposas, viúvas de prefeitos e de cônsules, as pessoas que mais insistiram com São Jerônimo para que levasse a efeito a obra projetada e que nela participaram de alguma forma, pois chegaram a aprender o hebraico.

Realmente uma das mais absorventes ocupações do santo doutor durante a sua permanência em Roma era dar resposta às damas romanas que o consultavam sobre as Sagradas Escrituras. Malgrado as precauções ditadas pela sua modéstia no sentido de evitar encontrar-se com elas, era constantemente procurado. Santa Marcela, Santa Asela, sua irmã, e Santa Albina, mãe de ambas, incluíam-se no número das que lhe solicitavam os pareceres. Marcela assimilou prontamente tudo o que são Jerônimo conseguira aprender a custa de muito esforço, tal como se depreende de suas cartas. Tendo ficado viúva no sétimo mês apôs as suas núpcias, Marcela recusou-se a desposar Cerealis, homem idoso, mas de alta nobreza e muito rico, tio de César Galo e que, sob Constâncio fora prefeito de Roma, e Cônsul em 358. Não obstante a sua longa viuvez, nunca a pureza do seu comportamento foi manchada pela menor suspeita. Retirou-se para uma casa de campo, junto a Roma, onde durante muito tempo praticou a vida monástica em companhia de sua filha espiritual, a virgem Princípia, e esse exemplo fez surgir em Roma um grande número de mosteiros para ambos os sexos. Santa Marcela tomara gosto pela piedade e pela vida monástica quarenta anos antes, quando Santo Atanásio fora à Roma, sob o papa Júlio, em 341. Ele lhe deu a conhecer a vida de Santo Antônio, que ainda vivia, e a disciplina dos mosteiros de São Pacômio para homens e mulheres.

Paula, amiga de Marcela, inclui-se entre as mais ilustres patrícias romanas doutrinadas por São Jerônimo. Era filha de Rogato e de Belsila. Seu pai, grego de origem, faria chegar a sua genealogia até Agamenon: sua mãe descendia dos Cipiões, dos Gracos e dos Paulo Emilios. Paula desposou Júlio Toxótio, da família Júlia, e, conseqüentemente, descendente de Lulo e Enéias: teve com ele quatro filhas e um filho. A mais velha das filhas, chamada Blesíla, nome de sua avó, permaneceu casada apenas sete meses, tal como Santa Marcela, ficando viúva com a idade de vinte anos. São Jerônimo explicou-lhe o livro do Eclesiástico, a fim de incitá-la ao desprezo do mundo. Ela lhe pediu que lhe fizesse um pequeno comentário da obra, que lhe possibilitasse compreende-Ia sozinha. Porém, quando São Jerônimo se preparava para satisfazer-lhe o desejo, ela faleceu, rapidamente vitimada por uma febre. Santa Paula, sua mãe, mostrou-se pesarosa em extremo, e São Jerônimo consolou-a numa carta, onde refere que Blesila falava tanto o grego como o latim, que aprendera o hebraico em poucos dias, e que tinha sempre na s mãos as Sagradas Escrituras.

A segunda filha de Santa Paula, Paulina, desposou Pamáquio, primo de Santa Marcela, da família Fúria, e que contava vários cônsules entre os ante passados. Era velho amigo de São Jerônimo. que estudara com ele, e lhe dedicou várias de suas obras. Paulina precedeu-o na morte e, viúvo e sem filhos, consagrou-se inteiramente ao serviço de Deus, e às boas obras; ingressou na vida monástica e empregou toda a fortuna para socorrer os pobres, particularmente os estrangeiros, recebendo-os num hospital que fundou em Porto, nas imediações de Roma. A terceira filha de Santa Paula, Júlia Eustóquia, nunca a deixou, e permaneceu virgem: a quarta. Rufina, desposou mais tarde Alêtio, da categoria dos claríssimos. O filho de Santa Paula, o mais moço de todos, recebeu o nome do pai, Toxótio. Desposou Leta, filha de Albino, pagão e pontífice dos ídolos, mas que se converteu na velhice, persuadido pela filha e pelo genro. Do casamento de Toxótio e Leta nasceu a jovem Paula: Leta, então viúva, recebeu de São Jerônimo uma carta com instruções sobre a maneira de educar cristãmente a filha. Era essa a família de Santa Paula.

São Jerônimo também nos legou a apologia de duas viúvas. Léa e Fabiola, e da virgem Asela. Léa dirigia um mosteiro de virgens, às quais instruía mais com exemplos do que com palavras: passava as noites rezando: seu hábito e sua alimentação eram muito pobres, embora não o fosse ostensivamente. Era tão humilde que mais parecia a serva das outras, ela que antes possuíra um grande número de escravos. A Igreja cultua-lhe a memória no dia vinte e dois de março. São Jerônimo soube de sua morte uma manhã, quando escrevia a Santa Marcela, explicando-lhe o salmo 72: o que lhe deu oportunidade para tecer o elogio da morta. Dois dias depois também lhe fez: o do Santa Asela, irmã da própria Marcela, e que ainda vivia. Fora consagrada a Deus desde a idade de dez anos. Aos doze, fechou-se numa cela. dormindo no chão, só se alimentando de pão e água, jejuando o ano inteiro, e muitas vezes passando dois ou três dias sem comer; na quaresma, passava semanas inteiras em jejum. Já completara cinqüenta anos e suas austeridades não lhe tinham alterado a saúde. Trabalhava com as mãos, nunca saia, a não ser para ir às igrejas dos mártires, mas sem que ninguém a visse. Jamais dirigira a palavra a homem algum; somente sua irmã a via. Sua vida era simples e uniforme e em plena Roma, permanecia em completa solidão. A Igreja reverencia-lhe a memória no dia seis de dezembro. Fabíola pertencia à ilustre família dos Fábios. Desposara um homem de costumes tão desregrados que achando impossível suportá-lo, abandonou-o: mas como ainda era jovem, usou da liberdade que lhe concediam as leis civis, e tornou a casar-se. Depois da morte do segundo marido. Fabiola caiu em si e reconhecendo que com aquele casamento infringira a lei do Evangelho, fez penitência pública; apresentou-se na Basílica de Latrão, na véspera da Páscoa, de mistura com os penitentes, de cabelos soltos, e nas mesmas lamentáveis condições em que os outros se encontravam, arrancando lágrimas ao bispo, aos sacerdotes e aos assistentes. Permaneceu fora da igreja até que o bispo a chamasse, depois de tê-la expulso. Em seguida, vendeu todos seus bens e foi a primeira a fundar em Roma um hospital para doentes, onde os servia com suas próprias mãos. Mostrava-se extremamente generosa para com os clérigos, os monges, as virgens, não apenas em Roma, mas em toda a Toscana, onde já existiam vários mosteiros.

Enquanto São Jerônimo assim entretinha, em Roma, juntamente com o amor à virgindade, o amor às letras sagradas, certo Helvídio, discípulo do ariano Auxêncio, escreveu um livro em que pretendia provar, pelas Escrituras, que a Santa Virgem, depois do nascimento de Nosso Senhor, tivera outros Filhos com São José e passando à tese geral, sustentava que a virgindade não oferecia vantagens sobre o casamento. São Jerônimo desdenhou durante algum tempo o tratado de Helvídio, tanto por causa da obscuridade do autor, dele desconhecido, embora ambos residissem em Roma quanto por causa do escasso mérito da obra. Enfim. persuadido a refutá-la, mostrou claramente que nada há nas Escrituras a desfavor da crença estabelecida na Igreja de que Maria se conservou sempre virgem, tendo em São José apenas o guarda da sua virgindade. Sustenta mesmo que esse santo permaneceu virgem: enfim, enobrece a virgindade, sem reprovar o casamento. Porém, embora erguendo tão alto a virgindade a viuvez, e o celibato religioso. São Jerônimo nem por isso poupava as pessoas que satisfeitas por fazerem a profissão exterior do citado estado, desejosas de serem respeitadas perante os homens, continuavam a viver, não somente no mundo, mas como no mundo. É uma prova disso a longa carta por ele enviada à virgem Eustóquia, que versa sobre a maneira de conservar a virgindade. Nela lamenta a queda cotidiana de muitas virgens, de tantas viúvas que depois de terem professado, levam uma vida indolente e sensual, amantes do bom passadio e dos adornos, mostrando-se em público para atrair os olhares dos jovens e, mais tarde, para escapar à desonra do crime cometido, a ele acrescentam outros crimes sacrificando a criança ainda por nascer. Lamenta o escândalo dos agapetas, a praga daquelas virgens falsamente devotas, que deixavam irmãos para procurar estrangeiros, com eles ocupando a mesma casa, o mesmo quarto, e muitas vezes a mesma cama, e protestando que são caluniadas quando se tornam objeto de suspeita: mulheres sem casamento, concubinas de nova espécie, prostituídas a um só homem, e não virgens cristãs.

Quanto a Eustóquia, foi advertida para fugir daqueles hipócritas de ambos os sexos. Falando dos clérigos em particular, disse: "Existem uns que disputam o sacerdote ou o diaconato para mais livremente se avistarem com mulheres. Só se preocupam com suas vestes, com terem o calçado limpo, com estarem perfumados. Encrespam os cabelos com ferros; anéis lhes brilham nos dedos: andam na ponta dos pés, mais parecem noivos do que clérigos. Existem outros, cuja única ocupação é saber os nomes e as moradas das mulheres de categoria, e ficar a par de suas amizades. Poderia citar um que é mestre em tal ofício. Levanta-se com o sol, e como a ordem de suas visitas já está preparada, procura os caminhos mais curtos: esse velho importuno quase entra nos quartos onde elas dormem. Se vê um travesseiro, um guardanapo, ou qualquer outro objeto a seu posto, elogia-o, gaba-lhe a limpeza, apalpa-o, queixa-se de não possuir coisa semelhante, e mais o arranca do que o obtém: pois todos temem esse correio da cidade. Inimigo da castidade, inimigo do jejum, aprova, isso sim, um bom jantar, um prato apetitoso".

São Jerônimo também apontava a avareza daqueles clérigo interesseiros que sob o pretexto de dar sua bênção, estendiam a mão para receber dinheiro, e tornavam-se dependentes das mesmas pessoas a quem deveriam dirigir. Também se queixa, alhures, dos que se apegavam a pessoas idosas e a seus filhos, e lhes prestavam assiduamente os mais baixos e indignos serviços a fim de serem incluídos na sucessão.

Servindo-se de linguagem tão crua e tão severa, naturalmente São Jerônimo fazia muitos inimigos. Assim sendo, a princípio consideravam-no um santo, um homem ao mesmo tempo humilde e eloqüente; a cidade inteira estimava-o, julgava-o digno do soberano pontificado e atribuía-lhe tudo quando o Papa São Damaso fazia. Porém, quando se atreveu o verberar os vícios dos romanos, taxaram-no de patife impostor: os que lhe beijavam as mãos. achicalhavam-no por trás; censuravam-Ihe até mesmo o andar, o riso, a expressão do rosto: a simplicidade que o marcava tornou-se suspeita. Nada o assustava; no contrário, divertia-o. "Então! escrevia ele, por que não ousaria dizer o que os outros não se envergonham de fazer? além do mais, de que falei com tão grande liberdade? descrevi, por acaso, os ídolos esculpidos na baixela dos festins? relembrei que no correr das refeições cristãs são oferecidos aos olhares das virgens os amplexos dos sátiros e das bacantes? externei desgosto pelo fato de mendigos se tornarem ricos? achei errado que enterrem aqueles de quem herdarão? por ter tido a desgraça de fazer uma observação, isto é que as virgens de preferência deveriam conviver mais freqüentemente com mulheres do que com homens, com isso ofendi a cidade inteira, todos me apontam. E julgais que nada mais direi?

Havia em Roma, entre outros, um indivíduo de nariz disforme e fala empolada, que se julgava belo homem e formoso espírito. Ora. esse homem tomava para si. pessoalmente, tudo quanto São Jerônimo dizia acerca de vícios e de extravagâncias, e se queixava a toda gente. Depois de tê-lo ridicularizado por assim se trair, Jerônimo acabou por dar-lhe este conselho: "Faze com que teu nariz desapareça do rosto, e depois conserva a boca bem fechada; a esse preço poderão acreditar que és um belo homem e que sabes falar bem”.

No mesmo ano de 385, em que Santo Agostinho se convertia em Milão, São Jerônimo deixava Roma para retornar ao Oriente. No momento de embarcar, em Porto, escreveu a Santa Asela uma carta na qual lhe comunicava as razões da sua partida: calúnias de invejoso, principalmente. Avistou-se, de passagem, com Santo Epifânio, na Ilha de Chipre, com Paulino em Antioquia, e encontrou em Alexandria um novo bispo, Teófilo, sucessor de Timóteo, que acabava de falecer. São Jerônimo foi à capital do Egito encontrar-se com um cego, o famoso Dídimo, e aprender com ele embora (á tivesse os cabelos brancos, e fosse considerado um dos mais sábios doutores da Igreja. Durante um mês inteiro expôs a Didimo as dificuldades em relação às Escrituras, e foi a seu pedido que Didimo compôs três volumes de comentários sobre Oséías, e cinco sobre Zacarias, a fim de suprir as lacunas deixadas por Orígenes.

Durante essa viagem, São Jerônimo visitou os mosteiros do Egito: em seguida, retornou à Palestina e retirou-se para Belém. Acreditavam que, depois de ter ouvido Dídimo, nada mais teria para aprender; mas ainda tomou como mestre um judeu que mediante determinado salário, ia dar-lhe lições, à noite, temeroso dos outros judeus. Foi então que São Jerônimo resolveu explicar as Epístolas de São Paulo. Por esse tempo faleceu São Cirilo de Jerusalém, depois de ter sido muitas vezes expulso da sua igreja, e muitas vezes nela restabelecido, e de tê-la governado pacificamente durante oito anos, sob Teodósio. Teve por sucessor João, que praticara a vida monástica. Uma das últimas tarefas de São Jerônimo, foi escrever contra a heresia de Pelágio. Esse inovador fora à Palestina e, encontrando o bispo João de Jerusalém, em desacordo com o santo doutor, disso se aproveitou para depreciar este último, e assim mais facilmente espalhou a própria heresia. Paulo Oroso veio do Ocidente e apontou-a aos bispos. Num concilio de Jerusalém foi decidido que entregariam a questão ao Pontífice Romano. Noutro concílio, o de Dióspolis, Pelágio disfarça seus sentimentos e os condena de boca, a fim de infiltrá-los mais facilmente, de fato. Logo depois do concilio de Dióspolis, talvez mesmo durante o concílio, São Jerônimo publicou em três volumes o seu Diálogo entre um católico, a quem chama Ático, e um pelagíano, a quem chama Critóbulo. Emprega contra a nova heresia, abundantemente, as mesmas provas que Santo Agostinho, a quem cita na parte final, nos seguintes termos: "O santo e eloqüente bispo Agostinho escreveu, há muito tempo, em Marcelino, dois livros sobre o batismo das crianças, contrários à vossa heresia; e um terceiro contra aqueles que dizem, tal como vós, que podemos ser isentos do pecado, se quisermos; e, há pouco tempo, um quarto, em Hilário. Dizem que escreve outros especialmente contra vós; mas ainda não chegaram às minhas mãos. É por isso que sou de opinião que devo interromper este trabalho; pois repetirei inutilmente as mesmas coisas, ou se pretendesse dizer novas, aquele brilhante espírito me anteciparia dizendo as melhores".

Não tardou que o caráter da heresia fosse percebido. Depois de iludir, como vimos, o concílio de Dióspolis, e julgando-se bastante forte sob a proteção de João de Jerusalém. Pelágio resolveu vingar-se daqueles que na sua opinião mais se opunham às suas idéias. Enviou, pois, um bando de desordeiros a Jerusalém, atacar os servos e servas de Deus, que viviam sob a direção de São Jerônimo. Alguns deles foram espancados com bárbara crueldade: um diácono foi morto: os edifícios do mosteiro foram reduzidos a cinzas: e São Jerônimo só evitou os maus tratamentos daqueles ímpios, refugiando-se numa sólida torre. As virgens Eustóquia e Paula, sua sobrinha, mal puderam livrar-se do fogo e das armas que as ameaçavam, depois de terem visto os irmãos espancados ou mortos. Queixaram-se, assim como São Jerônimo, ao Papa Santo Inocêncio, sem contudo citar nomes. O Papa escreveu uma carta a Jerônimo, na qual assim se expressou: "Tocados pela narrativa de tantas atribulações, apressamo-nos a empunhar a autoridade do Trono Apostólico para reprimir qualquer espécie de atentados. Mas como ninguém foi citado ou acusado em vossas cartas, não sabemos a quem nos dirigir. Fizemos aquilo que está em nosso poder, isto é, lamentar vossos contratempos. Mas se depuserdes uma queixa precisa contra certo número de pessoas, darei juízes competentes, ou, se for possível, ordenarei pronto remédio. Contudo, escrevi a meu irmão, o Bispo João, recomendando-lhe que seja mais cuidadoso, a fim de que semelhante desordem não mais se repita numa igreja que lhe foi confiada”.

Essa carta é notável por quanto mostra a autoridade do Papa sobre toda a Igreja. Cabia-lhe o direito de nomear juízes na própria Palestina, e num caso criminal. Sua carta a João de Jerusalém é extremamente severa. Nela se refere às queixas que lhe foram dirigidas pelas virgens Eustóquia e Paula, sem contudo designar nem pessoas, nem motivos. Censura-lhe a negligência não prevenindo semelhante desordem. A possibilidade de tal atrocidade ser levada a efeito numa igreja condenava um pontífice. Censura-lhe a sua indiferença depois da ocorrência. "Onde estão vossas consolações para com aquelas que foram as vítimas? pois dizem que mais temem pelo futuro, do que sofreram no passado. Se me tivessem comunicado algo mais preciso sobre esse caso, eu falaria mais alto e agiria mais severamente."

O Bispo João faleceu algum tempo depois, no dia dez de janeiro de 417. Sucedera a São Cirilo e resistira ao cerco de Jerusalém durante mais de trinta anos. Seu sucessor foi Prayle, cujos costumes estavam de acordo com o seu nome, que significa doce. Resistiu ao cerco quase treze anos. O próprio São Jerônimo pouco sobreviveu a essa perseguição.

Morreu em trinta de setembro de 420, com a idade de noventa e um anos. Seu corpo, gasto pelos trabalhos, pelas austeridades, pelos anos e pelas moléstias, foi sepultado em Belém, na gruta pertencente ao seu mosteiro. Malgrado seu temperamento um pouco veemente. São Jerônimo foi um desses homens raros, e a simples enunciação do seu nome é mais expressiva do que qualquer elogio.

Mais tarde, seu corpo, transportado para Roma, foi colocado na Basílica de Santa Maria Maior.

.Fonte: Pe. Rohrbacher, Vida dos santos, Tomo XVII.
.Obs: foram feitos alguns acréscimos!



Foto: Retirada do blog br-patriciabelo

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